Como pesquisar a genealogia de seus antepassados africanos

É muito comum ouvir queixas de quem tem uma ascendência africana de que a pesquisa por seus antepassados é impossível. Isso pode desanimar até os mais experientes, porém é importante frisar que cada caso difere e que é sim muito possível encontrar informações de ancestrais mesmo que a história geral das origens afrodescendentes no Brasil seja marcada pelo vergonhoso período da escravidão.

Para iniciar o processo em qualquer árvore o que deve ser usado como base é a certidão de nascimento da pessoa que está se preparando para iniciar a pesquisa de seus ancestrais. Ali se dará o início de uma jornada em busca das informações e dados das pessoas que foram as responsáveis por fornecer a vida ao pesquisador e a seus parentes próximos. É isso que basicamente é encontrado na certidão de nascimento:

  • Nome do registrando
  • Sua data de nascimento
  • Local de nascimento
  • Nome dos pais
  • Local de nascimento dos pais
  • Idade dos pais
  • Nomes dos avós paternos e maternos

As informações podem divergir e alguns cartórios inserem mais dados que outros dependendo também da época em que o registro foi lavrado. O registro, aquele escrito em livro que dá origem à certidão de nascimento, que é o documento timbrado impresso em uma folha, pode conter mais informações que a certidão, por isso é bom consultar o cartório, encontrar o registro em imagens disponibilizadas ou solicitar uma certidão de inteiro teor.

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O registro de nascimento do pesquisador provavelmente contém todas as informações que ele já conhece, inclusive o nome e localidade dos avós, porém nem sempre é assim e muitos se beneficiam das informações vitais contidas neste documento.

De posse destas informações, iniciar uma árvore para manter tudo organizado e facilitar a visualização para saber por onde prosseguir é o próximo passo. As informações coletadas acima implicam em 3 gerações e talvez o melhor caminho agora seja encontrar os registros de nascimento dos pais do pesquisador. Como já foi citado, neste registro estarão mais duas gerações depois deles, completando assim 4 gerações para o pesquisador. Conseguir o registro do nascimento dos avós é o próximo passo para avançar.

As diferenças da pesquisa por antepassados afrodescendentes

A pesquisa para afrodescendentes segue o mesmo ritmo dos demais pesquisadores até certo ponto. É necessário comprometimento e muita paciência em qualquer das circunstâncias. Cada achado representa uma oportunidade de seguir adiante, de encontrar mais ancestrais e outros parentes. Uma árvore aberta e abrangente pode representar muito trabalho mas também significa ter a história da família preservada e fácil de ser visualizada por todos os descendentes quando compartilhada.

A busca pelos registros dos principais eventos de vida (nascimento, casamento e óbito) é fundamental, pois em cada registros haverá informações que se complementam entre si e corroboram o que já se tem. A certeza de se estar no rastreio da pessoa correta vêm da documentação que comprova os dados. Não existem dúvidas que para uma árvore bem sucedida a pesquisa destes documentos é básica.

Leia também: O que é uma árvore genealógica bem sucedida?

Há muitas formas de encontrar os registros e elas incluem pesquisas em sites com imagens de registros disponíveis e pedidos em cartórios. Nem todos os registros são encontrados digitando o nome do antepassado em uma busca na web, afinal nem tudo está indexado e transformado em um índice pesquisável. Pode ser necessário garimpar tais registros em páginas de acesso destas digitalizações pela cidade ou localidade, data e tipo de evento.

Quando o pesquisador não localiza o documento que busca é necessário entrar em contato diretamente no cartório e solicitar uma busca. Alguns custos provavelmente serão incluídos nesta modalidade da pesquisa. Caso encontre o documento e deseje uma cópia os cartórios o farão com uma cobrança um pouco maior de valor. Cada cartório tem sua tabela de valores sendo inconveniente generalizar uma cifra adequada.

Também, da mesma maneira que em qualquer pesquisa, consultar pessoas vivas é excelente para mais informações que não constam em cartórios e registros. A história contada pelos descendentes vivos é de uma importância sem medidas pois nós podem ser desatados e conexões descobertas graças à memória deles. Anotar ou gravar é prudente para que mais tarde ao analisar os dados já inseridos na árvore não faltem respostas para:

  • Como posso avançar mais uma geração? em que localidade devo procurar?
  • Particularidades que também fornecem pistas para prosseguir, foram abordadas na conversa? Consigo identificar?
  • Quais as profissões e ocupações destes ancestrais? Essa informação pode ajudar a buscar outros documentos quando a localização dos eventos básicos é difícil ou mesmo para complementar e ratificar as informações existentes
  • Quais foram as mudanças e migrações ou até imigrações?
  • Nas histórias que parecem irreais consigo encontrar informações para prosseguir?

As principais fontes de pesquisa são comuns para todos e são a forma de basear as informações necessárias para a construção da árvore e da história da família. Não há um caminho igual para todos devido às circunstâncias que envolvem cada família e as descobertas irão guiar para os passos seguintes.

Avançando na pesquisa por antepassados africanos

A pesquisa avança e transcende o tempo. Então ela começa a ficar mais difícil. Sem motivos para desânimo, talvez uma certidão de nascimento de um dos antepassados mais distantes seja impossível encontrar, porém o óbito não apresentará muitas dificuldades para ser localizado. As informações ali contidas trarão as pistas para prosseguir na pesquisa da mesma forma.

Dependendo da época em que a pesquisa chegou, documentos civis podem não existir e a solução é partir para a pesquisa nas paróquias e cúrias. A busca pelas informações pode ser solicitada ao funcionário o que nem sempre é algo rápido. Os registros digitalizados religiosos apesar de serem de busca demorada talvez sejam a melhor forma de encontrar informações.

Ao chegar nos ancestrais que foram escravos o modo de buscar nos registros pode ser um pouco diferente. Normalmente os registros de escravos e filhos de escravos eram feitos em livros diferentes e ao solicitar a pesquisa é bom avisar isso. As imagens disponíveis também podem trazer a informação de que tal livro de registros da fazenda tal ou de propriedade de fulano de tal e ali estarão registrados os antepassados que deverão ser buscados com bastante atenção. Como para os escravos apenas um nome era usado e os nomes eram sempre os mesmos, a confusão de linha genealógica pode atrapalhar. Os outros dados como datas ajudarão a ter certeza.

A escravidão no Brasil foi um episódio extenso e absolutamente lamentável. A expansão portuguesa buscou na escravização de condenados africanos um mão-de-obra gratuita, mas não parou por aí. Mais e mais negros africanos foram sendo capturados e, mesmo não tendo nenhuma condenação, foram igualmente escravizados. É uma história triste que permaneceu em silêncio entre as gerações.

A captura de africanos ocorreu em grande escala e os próprios nativos organizavam essas expedições e caçavam pessoas, especialmente homens fortes, pois valiam mais dinheiro e era de gente assim que os grandes produtores brasileiros e mundiais precisavam para suas fazendas. Muitos morriam na caçada, outros na travessia do oceano, outros no Brasil pelas doenças aqui adquiridas. Poucas mulheres foram trazidas e famílias entre os escravos eram raras.

Mesmo com as mudanças sociais e a abolição da escravidão, demorou para que a liberdade do africanos sequestrados (e seus descendentes) fosse real. A lei insistia que escravos não fossem mais a fonte de renda de ninguém mas também não dava respaldo algum e eles continuavam sendo maltratados, poucos conseguiam um emprego digno pois a maioria era rejeitada. A vida de um afrodescendente era ruim na escravidão e não melhorou na liberdade.

Leia também: Como usar documentos históricos para fazer pesquisa genealógica e encontrar seus antepassados

A história abrange fatos regionais e isso importa muito na hora da pesquisa. Opções diferentes das tradicionais como a busca por testamento do dono da fazenda de onde os ancestrais afro descendentes vieram é fundamental para a árvore. Saber como era o tratamento aos escravos na região de onde os antepassados residiam, amplifica as possibilidades de refazer a história, os passos e entender a cultura do ancestral. Cada região do Brasil tem suas diferenças e ao chegar nessa época da história das gerações anteriores é fundamental conhecer detalhes que possivelmente fazem parte da história do antepassado direto.

Além da diversidade regional, ainda em uma mesma localidade foi observado que os senhores administravam e tratavam de maneira diferente suas posses. Muitos exigiam o trabalho de modo autoritário e com severas punições, tratando seus escravos de maneira cruel e distante. Outros faziam questão de ensinar seus escravos a ler e escrever, que tivessem boas refeições e solicitavam que trabalhassem para o bom andamento dos negócios e da família. Além disso davam seu sobrenome a eles. Muitos desses senhores imigrantes também ensinavam seu idioma nativo a fim de manter uma ótima comunicação em toda a fazenda.

Alguns fatores marcantes da história prejudicam imensamente a pesquisa. Uma delas foi divulgada no jornal O Estado de São Paulo em 19/12/1890 onde foi publicada parte do pedido de Ruy Barbosa, ministro da Fazenda, para que todos os registros de escravos fossem queimados a fim de apagar essa parte da história “que paralisou o desenvolvimento da sociedade e infeccionou-lhe a atmosfera moral”. Nem todos os registros foram perdidos e alguns pesquisadores conseguem avançar até seu imigrante, ainda que tenha vindo capturado e maltratado.

Os registros paroquiais

A igreja contribuiu muito na preservação de registros e em ter todas as pessoas inscritas nos livros eclesiásticos. Campanhas foram abertamente declaradas para que todo africano recebesse os sagrados sacramentos do batismo ainda que já fosse adulto. O incentivo também era para que os senhores entendessem que parte da responsabilidade deles era de educar sobre a religião e permitir que os escravos aceitassem a fé. Muitos senhores negligenciaram tais pedidos pois não pretendiam gastar mais dinheiro com sua classe trabalhadora, desejando apenas colher seus lucros.

Depois de batizado, a pessoa tinha o direito de ter seu registro realizado também no seu óbito e casamento. Estes eventos podem ser encontrados nos livros paroquiais da região onde os ancestrais viveram. Muitas vezes o casamento não foi registrado e filhos foram batizados apenas com o nome da mãe, como filhos naturais, pois seus pais não tinham celebrado o casamento na igreja. Maior incidência para os registros de óbito que de casamento, porém o pesquisador pode buscar evidências de que realmente não exista o casamento religioso antes de optar pela desistência da pesquisa. Afinal as vidas são diferentes para cada pessoa do mundo e não é possível generalizar.

Driblando a ausência de sobrenomes

Escravos em fazenda de café (1885)

Os africanos não tinham sobrenomes ao chegarem ao Brasil e dessa forma continuaram com seus descendentes. Com o passar do tempo e ao adquirirem vida social e pessoal a necessidade por um sobrenome fez com que essa prática se iniciasse. Muitos negros adotaram os sobrenomes de seus senhores, outros preferiram os sobrenomes religiosos, outros ainda usavam o nome de seu pai como sobrenome ou mesmo o primeiro nome de seu Senhor. Outros eram chamados pelo seu país ou região de origem.

O costume de utilizar o sobrenome como referência para a pesquisa pode não caber aqui nesse momento antigo da história, facilitando a busca pelos ancestrais do outro continente, porém após a aquisição do sobrenome é muito provável que ele tenha sido perpetuado entre as gerações, facilitando a pesquisa até o imigrante.

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Fontes adicionais de pesquisa

Pesquisadores colaboram com seu conhecimento e disponibilizam sua genealogia descoberta para todos através da web. Livros e materiais de ajuda também podem ser encontrados e fornecer ideias de como obter mais dados e informações históricas. Afinal nenhuma pesquisa é igual a outra, os fatos históricos são divergentes e as pessoas são únicas.

Em seu livro Antepassados Negros – Genealogia para afro descendentes, Tiago Fappi aborda os temas aqui apresentados de forma ampla e significativa. Uma outra boa fonte de informações gerais para conhecer antes de mergulhar na pesquisa no século XIX é o livro do Vocabulário Controlado sobre escravidão, abolição e pós-abolição.

Perseverança é o ingrediente mais importante da pesquisa de antepassados

Não importa o pouco que os parentes vivos sabem a respeito da história de seus ancestrais. Há muito estigma, mágoa e vergonha e os fatos deixaram de ser passados entre as gerações. Ainda assim através da história das comunidades e dos registros paroquiais e civis, testamentos e outros será possível reconstruir a genealogia e ao menos os eventos principais. O pesquisador utiliza o que tem em mãos e sai em busca de mais informação, normalmente com as pistas apontadas naquilo que possui. E normalmente sempre recebe boas novas, ainda que periodicamente.

Um excelente complemento para a pesquisa e que pode revelar informações não adquiridas pela rotina tradicional e um exame de DNA. Através dele muitas vezes a origem e país dos ancestrais africanos pode ser revelada o que dá margem para continuar a pesquisa e ampliar a história familiar.

Consultora de história da família, genealogista, pianista e principal responsável pelo blog do MyPast

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